A priori, importante destacar que no final da década de 1990, o Ministério da Saúde transferiu as atividades de vigilância sanitária para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), como decorrência das políticas regulatórias engendradas no Brasil.
A Lei Federal nº 9.782/99, delega para a Anvisa a responsabilidade de regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e os serviços que envolvam riscos à saúde pública, onde se incluem os alimentos e os insumos, os aditivos, as embalagens e os contaminantes e resíduos, assim como as instalações responsáveis por processar tais produtos.
Aqui trazemos à baila o tema fiscalização, ou seja, apuração de irregularidades que possam causar a perda de qualidade dos alimentos ou que possam causar algum dano aos consumidores, que é cada vez mais comum e ativa junto aos estabelecimentos comerciais, principalmente em face dos supermercados.
Dentre as irregularidades que os órgãos fiscalizam, as que causam mais problemas para os gestores, normalmente são: má qualidade dos produtos, isto é, alimentos fora do prazo de validade por má gestão dos estoques ou com o prazo de validade adulterado, ambientes malconservados, bem como as falhas no preenchimento de documentos exigidos (ditas obrigações acessórias regulares).
Necessário se faz ter uma atenção extra nos alimentos danificados/violados ou ainda produtos estragados por estarem mantidos fora das condições ideais de armazenamento, principalmente os refrigerados.
Importante ressalva se faz no que diz respeito às condições ambientais do local, que podem impor dificuldades aos gestores no que diz respeito às más condições de higiene, onde poderá haver ainda a presença de patógenos como: insetos, fungos, microrganismos ou roedores, facilitando eventuais denúncias e investigações dos órgãos regulatórios protetores.
Ditos órgãos protetores procuram exatamente por condições inadequadas, tais como: presença de lixo, animais, agentes infectantes, condições gerais de infraestrutura, inadequações no armazenamento e descarte de lixo, geralmente impulsionados por denúncias de consumidores.
Em relação aos produtos, destaca-se esclarecer que os fiscais buscam entender como eles foram mantidos, desde o recebimento até o momento de compra, analisando ainda a forma como eles são armazenados e manipulados, verificando assim se a sua validade, integridade e higiene estão preservadas e dentro das normas exigidas.
Quanto aos produtos considerados mais sensíveis, uma atenção redobrada deverá ocorrer, como os refrigerados, por exemplo. Com esse tipo de produto, os fiscais procuram saber se foram e são mantidos em condições de temperatura adequadas, e, ainda, se as condições de manutenção dos equipamentos e o acompanhamento dos produtos estão de acordo com as normas de regularização.
Os órgãos de fiscalização atuam fazendo visitas periódicas, que podem ocorrer de tempos em tempos e são feitas como forma preventiva, bem como através de visitas pontuais, que ocorrem de forma repentina após o recebimento de alguma denúncia, onde será verificada a confirmação ou indeferimento do denunciado.
Apesar de os órgãos fiscalizadores serem burocráticos e rígidos, a busca da melhoria da qualidade dos produtos e condições do estabelecimento deverá estar sempre em pauta, com ou sem fiscalização, pois isto irá permitir a redução de custos e um aumento nas vendas, uma vez que demonstra zelo e preocupação para com o cliente consumerista.
Importante destacar, ainda, que, as irregularidades encontradas pelos órgãos fiscalizadores geram um impacto negativo na imagem da empresa, além do impacto da perda econômica, em decorrência da possibilidade de aplicação de multas pecuniárias.
Sanções administrativas podem ser aplicadas, onde as mais comuns são: as advertências, a interdição do local e a proibição da continuidade das vendas, aplicação de multas, podendo chegar no cancelamento do alvará de funcionamento da empresa (ato mais gravoso e lesivo ao estabelecimento – geralmente impulsionado pela atuação do Ministério Público local).
Outras sanções também podem ser aplicadas, onde é possível destacar as do âmbito criminal, onde as irregularidades (vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo) encontradas podem levar o gerente do estabelecimento à prisão, sanções estas tipificadas como crime contra as relações de consumo, previsto no art. 7º, IX da Lei nº 8.137/1990, sanção tida como desproporcional ao ato lesivo, uma vez que se trata de intervenção do direito de liberdade do indivíduo, mas que não decorre do tema tratado no presente artigo.
As irregularidades, que impõem as referidas sanções se encontram descritas no artigo 18, § 6º, I, II, III do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que define como produtos impróprios para o consumo aqueles “cujos prazos de validade estejam vencidos” (inciso I), aqueles “deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação” (inciso II) e “os produtos que por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam” (inciso III).
Junto à esfera cível, o Código de Defesa do Consumidor é a base legal para estabelecer os critérios a serem adotados na eventualidade de danos causados por defeitos decorrentes da má manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, independentemente da existência de culpa, conforme preconiza o artigo 12 da lei consumerista.
Por fim, destaca-se, que, em decorrência da necessidade de formalizar entendimento sobre a harmonização entre o direito do consumidor e a adequação das sanções mais justas aos eventuais casos que tratem de vencimento de produto, o legislativo institui a Lei 7633/2017 que instituiu o Programa “De Olho no Vencimento”, mediante adesão voluntária do comércio varejista do Estado do Rio de Janeiro, com o objetivo de assegurar, ao consumidor que constatar a existência de produto exposto à venda com prazo de validade vencido, o direito a receber, do estabelecimento comercial, gratuitamente, outro produto idêntico ou similar, à sua escolha, dentro do prazo de validade para consumo, em quantidade de uma única unidade para cada tipo ou gênero de produto vencido que for encontrado.
Para tanto, conclui-se pela necessidade de constantes práticas preventivas, com apoio de Câmaras Técnicas e profissionais com expertise em vigilância sanitária e/ou de alimento seguro, priorizando pela atualização dos serviços de manutenção das câmaras frigoríficas, adequação ao sistema de armazenagem dos produtos, critérios de exigências redobrados na verificação dos produtos expostos à venda ao consumidor final, preferencialmente aqueles que se encontram nas gôndolas, com datas próximas ao vencimento, bem como todo tido de exigência flagrantemente questionado pelo consumidor e exigido pelos órgãos fiscalizatórios, sobretudo aqueles que regulam os direitos dos consumidores. Tais providências, diferentemente do entendimento de parte do comércio varejista, não deve ser entendida como custo operacional, mas como investimento na atuação preventiva que certamente demandará melhoria na relação com o consumidor.
Por: FABIANO RESENDE SOARES, advogado do Escritório Rosa & Salomão Advogados.